quarta-feira, 16 de março de 2011

Pirataria Aprende-se Na Escola

Por Ricardo Semler
publicado na Folha de São Paulo em 14 de março de 2011

O Thoreau era um cara zen. Dizia que lei injusta se combatia com desobediência civil. Foi assim com o Lula em 1978, que fazia greves ilegais e corria o risco de ser preso a cada pouco. Ou com Rosa Parks, senhora negra que sentou num banco reservado a brancos, há apenas algumas décadas. É assim com os jovens que hoje derrubam os ditadores árabes - todos, pela lei, são criminosos.

Os 70,2 milhões de brasileiros que compram ou baixam CDs e DVDs pirata não estarão praticando desobebediência civil? Deveriam ser, todos, reunidos à penitenciária?

Estudantes devem ser rotulados? cúmplices do crime organizado porque se recusam a pagar R$ 45 por um DVD de filme antigo que custa R$ 2 para produzir e distribuir?

O Conar, que autorregula propa­ganda, omite-se ao não proibir a campanha que acompanha os DVDs. Não existe prova alguma de que parte relevante da venda da pi­rataria tenha a ver com traficantes ou armas. Dediquei dias a centenas de sites, incluindo o da Interpol, con­selhos contra a pirataria e CPIs de quatro governos para constatar isso. Claro que a pirataria envolve crime organizado — só faltava serem crimi­nosos desorganizados —, mas é uma turma focada apenas em produtos.

E vejam, que curioso: das 80 fábri­cas piratas na Ásia, 8 na Malásia são licenciadas pelo governo! Ao todo produzem 9 milhões de CDs por dia.

A verdade é que a era de ouro dos estúdios e artistas chega ao fim. Não cabe mais pedir que o mundo financie US$ 12 milhões por filme ao Tom Cruise ou fique ba­bando com os Rolls-Royce dos rappers. Muito menos que financie car­téis de estúdios que conseguem, pela leis vigentes, transformar policiais em capangas pelo lucro.

Ninguém vai defender as fábricas ilegais ou a pirataria intelectual, mas urge perceber que o mundo mudou.

As soluções são óbvias e lucrati­vas também: vender pela web no dia da estreia o download por alguns reais. O faturamento final deverá ser o mesmo. Sim, terminará a mamata do filme que passa meses no cinema ou o livro que fica em capa dura — porque o lucro é estratosférico nes­sas fases — para, então, manipular o consumidor pelas fases imaginadas pelos espertos das finanças.

É aceitar que o mundo não é com­posto de acobertadores de trafican­tes, e sim de adolescentes e adultos inteligentes que não querem mais ser manipulados pelos Gaddafis da indústria de entretenimento. Acor­dem: 1 bilhão de downloads em 2010, antes mesmo que a banda lar­ga de 10 mega seja corriqueira, é au­la para qualquer empresário anti­quado. Que criem vergonha na cara e se atualizem —70,2 milhões de cri­minosos brasileiros, todos mal-edu­cados, agradecem. 

Ricardo Semler, 51, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT em Boston. Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Lideres Globais do Amanhã e escreveu dois livros: "Virando a própria mesa" e "Você está Louco", que venderam 2 milhões de exemplares em 34 línguas.

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